domingo, 29 de agosto de 2010

Extase

É verdade que as ruas salpicam vida.
brotam e rebrotam acácias plenas de flores e tornam a cidade rubra.
Mas,o que deixa em êxtase o homem com os sonhos de menino são os risos soltos dos meninos da areia.
Quase que em delírio ele se transporta além da areia fina e os olhos fixam os olhos do menino e a brincadeira tem gosto de vida.

O homem vive o menino e o menino,se vê no homem.
E o vento que sopra a areia fina e eleva brisa na água que goteja o rosto do pequeno marca a expressão da liberdade.

É possível um instante causar tanto?
É possível ver nos olhos que nunca viu nada mais além daquela pequena cidade e a areia da praia,o mundo?

Assim,o homem pleno de si e de vida seguia em extase areia afora.Em cada onda que batia na areia,parecia cantiga ecoando em seus ouvidos.
O mar,brindava a vida através dos meninos e ele se presenteva dessa vida.Tão pouco...e tanto.
Não havia falta de nada,porque não conhecem nada além do que tem e isso basta para que sejam felizes.
Seria incompreensível aos olhos comuns que a areia fosse mais do que areia.Que o riso solto fosse mais do que riso.Ele sentia isso.Era muito e além do que ele mesmo podia guardar dentro de si e entender o deslumbramento da vida em extase nos olhos do menino.

Mariana Gouveia

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ughhh!

Ughhhhh!

Ughhh!

Será que ele tinha poder de mudar o sentido da areia?
Ah,sim,ele tinha!
Para ele a praia tinha uma espécie de magia que o transportava para além da areia.
Era como estrelas no chão.Cada grão,um universo estrelar em concordância com o mar.
Um céu dourado se formava a cada manhã e os meninos,astros de sua visão.
Ali,naquele pedaço de areia,o sol eclipsava para ele,no mar.
Era a fusão da vida e da magia.
O que ele enxergava,era demais para olhos comuns.
Eu tenho certeza de que ele não tem olhos comuns,porque a sua alma de criança brinca ali e viaja no coração de cada menino.
Era tão simples que parecia que a cada guardar de memória era como se a alegria dos meninos pudesse ser capturada para se tornar fonte de amparo nas noites de solidão.
Como podia querer mais diante de tanto?
Como teria a mesma audácia daqueles meninos diante da vida?

A manhã surgia sempre radiante e o mar parecia uma parede emoldurada e a pintura de sol que se tornava a estrela da areia.
E cada vez que ele ia embora levava cada menino preso nos olhos.
Levava a alegria e a liderança de Calandula.E sua sabedoria.Ele sabia tudo ou fazia todos os outros meninos pensar que sabia.Usava palavras que a avó pronunciava e a que mais gostava era Aiélo.Repetia quase como música.
De Pascoal ele levava a melodia...aquele hum,hum,huummm,tiuruhturuuuu..não lhe saía da cabeça.E por vezes se pegava no ritmo da melodia.
De Chiquinho e de Tuca a elasticidade diante do tempo.A alegria estampada nos olhos.Sapalo e Salu eram um caso a parte.Energia pura.Gritos,piruetas e a leveza do riso.

Queria estar ali.Precisava estar ali e o tempo roía-lhe os ponteiros.Cada instante ali,tão precioso que em cada clic da máquina era como se pudesse guardar o tempo,feito jóia em sua caixinha.Como se cada um deles pudessem entrar câmera adentro e morar e ele,o homem que distribuía mágica como sonho no fim da noite,ao preparar para o último pensamento do dia pudesse tirá-los dali e brincar de ser menino da areia.
Ughhhhhh!

Mariana Gouveia

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Kizomba

Kizomba

Há três estágios antes do encantamento

Primeiro,ele vê;
Os olhos do homem captam as pequenas sombras no despertar da nova manhã.
A luz do novo dia a anunciar uma série de coisas

segundo,ele sente;
e ele sente na visão que vê a mesma magia que provoca.
E essa magia,espalha e se transforma em encantamento.

Terceiro,o encantamento.
e no encantar as palavras não são para serem sacudidas feito areia no vento.
No encantar é apenas a respiração que sublinha os movimentos dos olhos.
O barulho da água com a risada dos meninos.

Estão sempre por ali.Banham nus e nus rolam na areia.Nunca sei direito se pela liberdade da idade,se para que as roupas fiquem secas quando voltar para casa.
Dançam Kizomba,como que se ouvissem a melodia através do mar.Vivem a vida.
Pura e simples como deve ser.
Convivem e praticam a amizade como se moldassem diamantes.
Pascoal gosta de marcar gols e cantar.Uma melodia,que sua mãe Mady saboreia entre o linguajar que ele não conhece e o atual.Fala de lua e de uma amor que partiu.Da terra dos sonhos,que seria o braço do amado.Aiélo,que é energia do ar,Calandula disse um dia.
Chiquinho e Tuca adoram as piruetas na areia.Parecem acrobatas de circo.
Sapalo e Salu imitam Calandula em qualquer coisa.Até no jeito de olhar por cima do ombro.

E assim,o homem se enche da energia do ar encantado e por muitas vezes,naquela areia nunca se sentiu tão acompanhado da vida,embora só.

Mariana Gouveia

domingo, 15 de agosto de 2010

E a areia tinha gosto da vida

Havia uma lenda naquele lugar. O lugar, para quem passava com olhos comuns não enxergava o verdadeiro sentido da lenda.

Havia um homem naquele lugar...

que fazia a cada guardar de imagem sobre o sonho fluir uma música.

Não havia nenhum instrumento tocando. Mas, havia música. Para aquele homem havia música e as notas, embora não fosse de música alguma, ele podia ouvir e embalar nelas como se dançasse através das imagens que ele reproduzia.
Esse homem reproduzia sonhos que eu conto aqui:

Para Calandula a vida tinha gosto de areia. E a areia tinha gosto da vida.
Ele, desde quando se entendia por gente, vivia ali entre o bairro pobre que morava e a areia da praia. O futebol era sonho, se bem que, a bola de meia, tirava-lhe a ilusão do sonho. Mas ele era feliz. A vida lhe dera dois irmãos, Sapalo e Salu. Mas também lhe dera a irmã... Landy que era a menina mais bonita que havia, com exceção de Júlia, essa sim parecia que cada vez que se dirigia à praia surgia como sonho da Rua do Meio. Parecia mágica! O olhar tinha todas as noites de lua dentro e seu coração batia tão acelerado como as ondas nos arrecifes. O mar morava dentro dele nessa hora. Só nessa hora.
Porque no resto do dia, a praia era dos Meninos da areia.

Eles eram sete ou mais, não sei o quanto ao total. Por vezes, apareciam aos bandos. Por outras, se resumiam em seis, sete. Meninos que diante de tão pouco que a vida oferece traziam um incontestável sorriso no rosto. Sempre risos e brincadeiras entre uma pesca e outra para ajudarem no sustento de casa. Metem-se em cima de barrotes que existem no mar, para atracar as embarcações e com uma linha vão pescando, muitas vezes peixes quase do seu tamanho. Depois juntos vão vender na rua ou nos restaurantes. Apanham nas zonas rochosas bivalves comestíveis, também para vender.
Mas,para aquele homem em especial,eles vendem o sonho.
Em cada olhar daqueles meninos ele se vê e a coragem renasce a cada passeio na praia.

Mariana Gouveia

Prefácio

Os Meninos Da Areia


Uma obra ilustrada por Raúl Santos com a parceria escrita de Mariana Gouveia, de uma grande beleza formal e com um ritmo muito próprio e notória clareza e simplicidade desarmantes. O texto que se segue não pretende ser uma explicação da obra, nem sequer dos seus aspectos principais, mas, tão só, uma introdução ao seu sabor, colocando-a no contexto de todo o movimento do tudo que se viu nascer de que Raúl Santos é, sem dúvida, um dos principais protagonistas.

Em toda a igualdade existe a expressão de uma identidade e uma diferença. A única interpretação possível encontra-se no ultrapassar de todas as diferenças, nestas imagens cheias, conseguimos encontrar “tudo”, nas palavras encontramos os “todo”.

Ao desenhar Benguela, teremos forçosamente que a colocar no lugar de maior destaque no pais que a representa, Angola. É sem qualquer erro a cidade mais antiga deste país. É por excelência a alcofa de muitos, que se identificam de uma forma única neste estar especial.

Sente-se o sonho nesta areia com dimensões inimagináveis, senhora da elegância no ser da tranquilidade, agora. Tudo o que vemos é quase o impossível no continente da guerra, crianças que nos mostram a descalça vida, descalça de tudo o que agora é difícil ser, sentem-se livres sentindo todas as areias da cidade descalça e linda. É com todo esse estímulo que viajamos por ela, descalços, nus, inteiros e autênticos, não consigo encontrar a palavra cheia para descrever, tudo o que encontro. Passam-se horas nestas imagens, sentem-se os cheiros e conseguem-se ouvir os sons de todo o sapateado africano, os pequenos intervalos são de luxo. Que mais dizer desta obra? Atrevo-me no sentido com mil uma interpretações dizer que aqui “Deus é todas as coisas”



Obrigado Raúl Santos



Júlia Coquenão



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

sábado, 7 de agosto de 2010

Os meninos da areia

Tudo tem um principio... Aqui vai crescer um livro que tem por base fotografias tiradas aos meninos da Praia Morena em Benguela. As fotos são da autoria de Raul Santos e os textos de Mariana Gouveia. 

O começo desta aventura...