domingo, 15 de agosto de 2010

E a areia tinha gosto da vida

Havia uma lenda naquele lugar. O lugar, para quem passava com olhos comuns não enxergava o verdadeiro sentido da lenda.

Havia um homem naquele lugar...

que fazia a cada guardar de imagem sobre o sonho fluir uma música.

Não havia nenhum instrumento tocando. Mas, havia música. Para aquele homem havia música e as notas, embora não fosse de música alguma, ele podia ouvir e embalar nelas como se dançasse através das imagens que ele reproduzia.
Esse homem reproduzia sonhos que eu conto aqui:

Para Calandula a vida tinha gosto de areia. E a areia tinha gosto da vida.
Ele, desde quando se entendia por gente, vivia ali entre o bairro pobre que morava e a areia da praia. O futebol era sonho, se bem que, a bola de meia, tirava-lhe a ilusão do sonho. Mas ele era feliz. A vida lhe dera dois irmãos, Sapalo e Salu. Mas também lhe dera a irmã... Landy que era a menina mais bonita que havia, com exceção de Júlia, essa sim parecia que cada vez que se dirigia à praia surgia como sonho da Rua do Meio. Parecia mágica! O olhar tinha todas as noites de lua dentro e seu coração batia tão acelerado como as ondas nos arrecifes. O mar morava dentro dele nessa hora. Só nessa hora.
Porque no resto do dia, a praia era dos Meninos da areia.

Eles eram sete ou mais, não sei o quanto ao total. Por vezes, apareciam aos bandos. Por outras, se resumiam em seis, sete. Meninos que diante de tão pouco que a vida oferece traziam um incontestável sorriso no rosto. Sempre risos e brincadeiras entre uma pesca e outra para ajudarem no sustento de casa. Metem-se em cima de barrotes que existem no mar, para atracar as embarcações e com uma linha vão pescando, muitas vezes peixes quase do seu tamanho. Depois juntos vão vender na rua ou nos restaurantes. Apanham nas zonas rochosas bivalves comestíveis, também para vender.
Mas,para aquele homem em especial,eles vendem o sonho.
Em cada olhar daqueles meninos ele se vê e a coragem renasce a cada passeio na praia.

Mariana Gouveia

Prefácio

Os Meninos Da Areia


Uma obra ilustrada por Raúl Santos com a parceria escrita de Mariana Gouveia, de uma grande beleza formal e com um ritmo muito próprio e notória clareza e simplicidade desarmantes. O texto que se segue não pretende ser uma explicação da obra, nem sequer dos seus aspectos principais, mas, tão só, uma introdução ao seu sabor, colocando-a no contexto de todo o movimento do tudo que se viu nascer de que Raúl Santos é, sem dúvida, um dos principais protagonistas.

Em toda a igualdade existe a expressão de uma identidade e uma diferença. A única interpretação possível encontra-se no ultrapassar de todas as diferenças, nestas imagens cheias, conseguimos encontrar “tudo”, nas palavras encontramos os “todo”.

Ao desenhar Benguela, teremos forçosamente que a colocar no lugar de maior destaque no pais que a representa, Angola. É sem qualquer erro a cidade mais antiga deste país. É por excelência a alcofa de muitos, que se identificam de uma forma única neste estar especial.

Sente-se o sonho nesta areia com dimensões inimagináveis, senhora da elegância no ser da tranquilidade, agora. Tudo o que vemos é quase o impossível no continente da guerra, crianças que nos mostram a descalça vida, descalça de tudo o que agora é difícil ser, sentem-se livres sentindo todas as areias da cidade descalça e linda. É com todo esse estímulo que viajamos por ela, descalços, nus, inteiros e autênticos, não consigo encontrar a palavra cheia para descrever, tudo o que encontro. Passam-se horas nestas imagens, sentem-se os cheiros e conseguem-se ouvir os sons de todo o sapateado africano, os pequenos intervalos são de luxo. Que mais dizer desta obra? Atrevo-me no sentido com mil uma interpretações dizer que aqui “Deus é todas as coisas”



Obrigado Raúl Santos



Júlia Coquenão